Resumo
Um devaneio literário que parte de proposições quanto a aproximações entre conceitos da filosofia com o ocultismo, onde relaciona o desejo a partir de Deleuze e Guattari e o pensamento de Aleister Crowley, atravessado pela poética de William Blake sob as perspectivas da obra ‘O matrimônio do céu e do inferno’. Levando em consideração o pensamento da filosofia da diferença, confrontando com os obstáculos que através das máquinas castradoras do sistema vêm impondo e controlando vidas e desejos. Assim, reflete sobre a demonização e os julgamentos que a essência natural da vida tem sido submetida para ser encaixada em quadros padronizados.
Palavras-chave: desejo; ocultismo; diferença; vontade; demonização; micropolíticas.
Resumen
Una ensoñación literaria que parte de proposiciones sobre acercamientos entre conceptos de filosofía y ocultismo, donde relaciona el deseo de Deleuze y Guattari y el pensamiento de Aleister Crowley, atravesado por la poética de William Blake desde las perspectivas de la obra ‘El matrimonio del cielo y el infierno’. Teniendo en cuenta el pensamiento de la filosofía de la diferencia, enfrentando los obstáculos que, a través de las máquinas castradoras del sistema, han ido imponiendo y controlando vidas y deseos. Así, reflexiona sobre la demonización y los juicios a los que ha sido sometida la esencia natural de la vida para encajar en marcos estandarizados.
Palabras Clave: deseo; ocultismo; diferencia; deseoso; demonización; micropolítica.
Abstract
A literary reverie that starts from propositions regarding approaches between concepts of philosophy and occultism, where it relates desire from Deleuze and Guattari and the thought of Aleister Crowley, crossed by the poetics of William Blake from the perspectives of the work ‘The marriage of heaven and hell’. Taking into account the thinking of the philosophy of difference, confronting the obstacles that, through the castrating machines of the system, have been imposing and controlling lives and desires. Thus, it reflects on the demonization and judgments that the natural essence of life has been subjected to in order to be fitted into standardized frameworks.
Keywords: desire; occultism; difference; willing; demonization; micropolitics.
Preliminares
Pode a filosofia da diferença ter algo em comum com a bruxaria… com o hermetismo… com o satanismo… com o ocultismo… com o… com a… com e…? O pensar na temática do presente dossiê me fez surtir reflexões sobre a possibilidade de existirem conexões ou acoplamentos, ou que, até mesmo, pudesse compartilhar de alguns conceitos e/ou ideias totalmente em comum, talvez diferindo apenas pelo gênero de expressão de tais pensamentos, mas se acaso essas ligações não existirem, talvez me pareça que apresenta proximidades, principalmente, entre finalidades e intencionalidades. Por quais linhas se cruzam, tocam-se, aproximam-se?
As buscas por ideais libertários, as fugas de padrões pré-estabelecidos, os desvios aos comportamentos socialmente esperados e tudo aquilo que escapa das máquinas capitalísticas de produção e subjetivação… o outro… o novo… o diferente… e… e… e… Tudo isso que foge é direcionado a outros caminhos como: de maquinários psiquiátricos, de maquinários demonizados, de maquinários marginalizados, de maquinários penitenciários, de maquinários exterminadores, de maquinários… violentos… torturantes… castradores… Onde existe nós, laços e/ou rupturas nessas linhas?
Aqui proponho pensar as conceituações quanto aos maquinários demonizados, que se trata principalmente das concepções de fugas e escapes no olhar de padrões sociais dados pelas instituições religiosas homogeneizadoras, porém, faz-se necessário apontar que os contextos não se limitam à religião, transpassam todas as problemáticas das barreiras sociais. Assim, existe a possibilidade de conversação com a bruxaria… o ocultismo… o hermetismo… o satanismo… e… tudo aquilo que subverte os padrões binários, que atravessa as possibilidades do oposto, da contrariedade, da não aceitação. Então, percebe-se uma primeira semelhança, caracterizada resumidamente pela liberdade e subversão, pelo diferente e novo, pela resistência e quebra das engrenagens das maquinarias… Existem conexões, acoplamentos e cruzamentos?
O presente trabalho pode não apresentar linearidade, trata-se possibilidades de pensar conceitos, podendo até ser distintos ou não, proposições de relações entre conceitos filosóficos e o que podemos pensar como conceitos tratados em algumas linhas do esoterismo. As linhas podem se embolar, podem perder as pontas e/ou podem não existir?
Os desejos: pensamento e magia
“Os que refreiam o desejo, o fazem porque o deles é fraco o bastante para ser refreado; e o freio ou razão usurpa seu lugar & governa o relutante. E sendo refreado, ele se torna gradualmente passivo, até que seja apenas a sombra do desejo.” (Blake, 2004, p.15)
O que você deseja? O que você quer? Quais suas vontades? Qual a direção de suas pulsações? Esse desejo é realmente seu? É singular? Pensando que o desejo é atravessado pela subjetividade, o contexto capitalista de subjetivação se manifesta por interações coletivas e sociais, de influências pressupostas pelos meios de comunicação em massa. É possível a atividade do pensamento não ser atravessada por pressupostos? (Deleuze, 2006). E quanto as pulsões? É possível o desejo singular? Qual a possibilidade do ‘querer’ por si mesmo?
“O desejo é sempre o modo de produção de algo, o desejo é sempre o modo de construção de algo” (Guattari e Rolnik, 1986, p.216). Se desejar é possibilitar ações e criações, é querer um acontecimento…, o que pode impossibilitar a realização/materialização de um desejo?
São múltiplos os empecilhos dos processos geradores de desejos, onde se pautam, principalmente, em processos de máquinas institucionais castradoras, e ainda assim as instituições afirmam discursos que aparentemente engrandecem o desejo, porém esses discursos se manifestam sempre acompanhado de um ‘mas’: “‘o desejo é legal, tudo bem, é muito útil’, mas é preciso que ele entre em quadros” (Guattari e Rolnik, 1986, p.216), quadros nos quais se moldam, sobretudo, por normatividades sociais, então, tudo que escapa às normatividades são desejos julgados como profanos, errados, malditos…
Primeiramente, pensaremos sobre desejo e liberdade no ocultismo e na filosofia, para depois tratar sobre julgamentos. Iniciaremos com o pensamento ocultista a partir de Thelema, palavra grega que pode ser traduzida como desejo ou vontade, e com a qual o ocultista Aleister Crowley (Heyss, 2010) cria seu conjunto de ideias, algo que, talvez, possamos considerar de cunho ‘filosófico-religioso’. No Brasil, os escritos de Crowley foram difundidos pelo cantor Raul Seixas, principalmente pelas músicas: A lei (1988) e Sociedade Alternativa (1974), popularizando a frase “faze o que tu queres, deverá ser o todo da lei” (Crowley, 1999).
“(…)
Todo o homem tem o direito de viver a não ser pela sua própria lei
Da maneira que ele quer viver
De trabalhar como quiser e quando quiser
De brincar como quiser
Todo homem tem direito de descansar como quiser
De morrer como quiser
O homem tem direito de amar como ele quiser
De beber o que ele quiser
De viver aonde quiser
De mover-se pela face do planeta livremente sem passaportes
Porque o planeta é dele, o planeta é nosso
O homem tem direito de pensar o que ele quiser, de escrever o que ele quiser
De desenhar, de pintar, de cantar, de compor o que ele quiser
Todo homem tem o direito de vestir-se da maneira que ele quiser
O homem tem o direito de amar como ele quiser, tomai vossa sede de amor, como quiseres e com quem quiseres
Há de ser tudo da lei
(…)”
(Seixas, 1988)
Para Deleuze (1988), desejo não é o mesmo que a espontaneidade e/ou o princípio de festa, mas ainda assim, a espontaneidade e a festa são conduzidas pelos agenciamentos, sendo assim, não são de fato o desejo, mas existe a presença do desejo ali. O fato da espontaneidade conter em si o desejo, leva a pensar em Crowley (1999), principalmente pelas concepções de impulso no desejo, afirmando que o ato de questionar as origens, as intenções e/ou a veracidade do surgimento do desejo, impossibilitam a espontaneidade para um sentido lógico e/ou racional, o que pode desencadear o cessar desse desejo. “Se a vontade para e grita porquê, invocando porquê, então a vontade para e nada faz.” (Crowley, 1999, p.16) “pois vontade pura, aliviada de objetivo, livre do desejo de resultado, é de todo modo perfeita.” (Crowley, 1999, p.7). “Quem deseja, mas não age, gera a pestilência.” (Blake, 2004, p.19)
Pensando na constituição do desejo, à primeira vista pensei encontrar uma contradição entre as concepções de Deleuze e Crowley, mas ao refletir na diferença quanto à interpretação dos termos utilizados por cada um, parece-me que existe uma possível conexão no pensamento dos autores. Ao retornar aos questionamentos deleuzianos, propostos anteriormente, sobre a possibilidade de existência do desejo livre de pressupostos, encontro no ocultismo: “deixai aquele estado de multiplicidade limitado e repugnante. Então com teu todo; tu não tens direito senão fazer a tua vontade.” (Crowley, 1999, p.7). Assim, ao pensar sobre o contexto desse trecho, penso que a ‘multiplicidade’ aqui tratada condiz com os atravessamentos múltiplos que compõem um desejo constituído por uma subjetividade coletiva. A proposta apresentada parece um princípio talvez utópico, que propõe possibilitar o desejo sem atravessamentos de pressuposto, como questionado em Deleuze (2006), encorajando o desejo a operar como um contínuo processo de se esvair dos pressupostos, caminhando ao encontro de maior potência singular.
Ao dizer que o desejo se constitui por fatores conjuntos: “nunca desejo algo sozinho, desejo bem mais, também não desejo um conjunto, desejo em um conjunto.” (Deleuze, 1988, p.15), não exclui a possibilidade de singularidade, pois se trata da ação de múltiplos fatores que operam na criação do desejo. Neste ponto acredito que, Deleuze (1998) trata de uma multiplicidade de fatores e condições que constituem, formam e/ou geram os desejos, pensando que o desejo se compõe por mais de um elemento ou seja, por um conjunto de elementos, fatores e/ou condições, diferindo do termo multiplicidade apresentada no desejo de Crowley (1999), que quando diz: “deixai aquele estado de multiplicidade limitado e repugnante”, me parece mais sobre uma multiplicidade de atravessamentos subjetivos sobre a construção do desejo, algo mais como influências sobre a geração e permanência do desejo que possam interferir nos fatores singulares do desejo. Entre esse ciclo de influências, os fatores externos contribuem para uma formação do desejo através do vivido e da vontade de se viver, relacionando fatores como temporalidades, espaços, condições… Acredito que o fator chave para essa discussão, seria a possibilidade de identificar as influências que as outras pessoas, coletivos, instituições… afetam no processo de criação do desejo, pois, aqui, parece existir uma série interminável de contradições. É possível desejar quando não houver influências?
O problema principal se pauta em como se dão as influências desses desejos, no qual se opera uma lógica capitalista e de puritanismo. Durante o processo de subjetivação, os mecanismos de controle formam juízos de valores que favorecem a manutenção do sistema e o processo de dominação, fazendo com que, através de um senso comum pré-moldado, condene-se de forma demonizadora qualquer manifestação da diferença.
Crowley, durante sua vida, ao tratar sobre liberdade sexual e sobre consumo de drogas, foi nomeado pelas instituições religiosas como ‘a besta 666’, reforçando as concepções de demonização da liberdade e da diferença. “A castração é pior que o pecado original. É uma espécie de maledicência sobre o desejo, que é assustadora” (Deleuze, 1988, p.16)
Figura 1 – Foto de Aleister Crowley.
“O número 666 chama-se Aleister Crowley,
Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei,
A lei de Thelema
A lei do forte
Essa é a nossa lei e a alegria do mundo”
(Seixas, 1974)
Baphomet e hermetismo e psiquiatria e demonização: sobre julgar e condenar
“Sem contrários não há progresso. Atração e Repulsão, Razão e Energia, Amor e Ódio são necessários à existência humana.” (Blake, 2004, p.11)
A partir do pensamento sobre julgamentos, penso nos fatores que compõem os juízos de valores, quem dita o que é certo e o que é errado? O que vale a concepção de cada um sobre o que é certo e bom ou que é errado e mau?
Penso que Baphomet propõe uma personificação dos conceitos herméticos apresentados no ‘O Caibalion’ (Desconhecido) como ‘Lei da correspondência’, no qual questiona as conceituações de céu e inferno, pela famosa frase: “O que está em cima é como o que está embaixo.” (Desconhecido, P.13)
Figura 2. Baphomet
A imagem de Baphomet aponta para cima e para baixo ao mesmo tempo, podendo ser interpretado como o que pode estar no céu pode também estar no inferno, ou vice-versa. Embora o simbolismo de Baphomet seja bem complexo, aqui trataremos apenas das concepções de juízo de valor entre ‘bem e mal’, “não há coisa alguma que saibamos com certeza ser boa ou má, a não ser aquilo que nos leva realmente a compreender, ou que possa impedir que compreendamos” (Spinoza, 2002, p.309)
A partir das concepções religiosas, tudo que está para baixo, habitando o que chamo de ‘territórios infernais’ (Corazza, 2002; Barchi, 2017; Silva, 2021), é tudo aquilo que escapa dos padrões, é tudo aquilo que habita a diferença, é tudo aquilo que os padrões sociais condenam.
Ao pensar em tais juízos de valores, percebemos uma tendência antinatural e anti-humana, que condena toda manifestação ‘selvagem’ de natureza múltipla, onde partem de movimentos que contrariam a possibilidade de uma cosmovisão, de multiplicidades, de diferenças, geralmente são afirmadas por discursos de pensamentos binários, que agem por maquinários capitalistas que visam destruir o múltiplo, as outras possibilidades, o novo…
A “essência humana” passa a ser enquadrada em caixas que reprimem todas as possibilidades de movimentos múltiplos, sendo organizadas sistematicamente como em prateleiras, por tamanhos iguais, definidas por etiquetas descritivas. O que não cabe nessas prateleiras, desvia dessas modulações, é o que não por coincidência, são chamados de ‘desviados’… Assim, tornam-se seres demonizados ou psicologizados por um discurso de: ‘se não é má conduta, só pode ser doença’.
A partir daqui, possibilitamos o desdobramento da discussão para dois caminhos: ou para psicologização e psiquiatria, ou continuar para os caminhos da demonização, ou ainda perceber semelhanças entre esses caminhos. A psicologização não seria uma manifestação da própria demonização? Talvez a diferença possa ser apenas a nomeação da modulação, e a instituição que o ‘problema’ é encaminhado. “As prisões são construídas com pedras da Lei, os Bordéis, com tijolos da religião” (Blake, 2004, p.21)
“Todas as Bíblias ou códigos sagrados foram causas dos seguintes Erros:
- Que o Homem tem dois princípios existentes reais, a saber: um corpo & uma alma
- Que a energia, chamada mal, é apenas do corpo e que a razão, chamada bem, é apenas da alma
- Que Deus atormentará o homem pela eternidade por seguir suas energias
Mas os seguintes contrários são verdadeiros:
- O homem não tem corpo distinto de sua alma, pois o que é chamado de corpo é uma porção da alma discernida pelos cinco sentidos, os condutos principais da alma nesta era.
- A energia é a única vida e é do corpo, e a razão é a amarra ou circunferência exterior de energia
- A energia é o deleite eterno.” (Blake, 2004, p.13)
As instituições tendem a promover uma ligação entre o erro e o mal, e o acerto como o bem. Novamente se trata de juízo de valores impostos, no qual errar se torna quase um sinônimo de pecado. Qual seria a concepção de tal fundamentalismo religioso para as abordagens da errância?
O erro pode ser entendido como possibilidades de aprendizagem, como experimentações, como tatear a vida, como tentar o possível e o impossível, como criar o novo, inventar, desejar… Mas, também pode ser remetido como um conceito reacionário pelo fato de ser pensado como o oposto do correto, assim como pode-se considerar que esse texto está correto ou está errado, tudo depende do pensamento de quem lê e de como interpreta.
“E de pensar que não somos
Os primeiros seres terrestres
Pois nós herdamos uma herança cósmica
Errare, errare humanum est” (Jor, 1974)
Para além do juízo de valores, errar constitui a natureza humana, pois a racionalidade pode tender a refletir sobre nossas próprias ações, e inconscientemente acaba por julgar fatores que acreditamos, numa concepção ‘individual’, ser positivos e/ou negativos. Isso está envolvido nos processos de formulação do desejo, pois a partir dessas experimentações errantes, cria-se um pressuposto do que devemos/queremos desejar e o que não desejamos por reflexo da experiência vivida. Assim como a experiência julgada como positiva impulsiona o desejo, os julgamentos coletivos e institucionalizados aos que se classificam como ‘negativos’, podem provocar certa curiosidade, mesmo que as máquinas castradoras trabalhem na repressão desses desejos, se possibilitam desejos que escapam pela tentativa de entender as razões dos julgamentos, tal como a frase popular ‘tudo que é proibido é mais gostoso.’
Desejo e tesão: desejo é tesão? Tem desejo no tesão? Tem tesão no desejo?
O que pode ser uma expressão libertária? O que pode ser um desejo libertário? O que pode um desejo libertário? Se pensarmos que o libertário pode ser aquilo que deseja a liberdade, devemos primeiramente nos atentar sobre qual a ‘liberdade’ estamos pensando, pois a liberdade no âmbito dos liberais consiste em uma liberdade individual com certo caráter egoísta, uma liberdade competitiva, na liberdade aqui e agora de cada um por si e ainda assim uma liberdade mediada pelo estado; já a liberdade que trata-se de libertária, consiste na liberdade como uma construção coletiva, como um fim, um objetivo, a liberdade como multiplicidade, como libertação do estado. Mas, onde entra o desejo? A liberdade como um objetivo, como uma construção coletiva, como um gerador de novas possibilidades, multiplicidades, essa se manifesta no âmbito do desejo. Logo, o pensamento libertário é essencialmente desejante.
“Nessa conceituação ampla de vida pulsando no tempo e no espaço, na duração e no ritmo de cada ser, representaria o que produz no homem o seu desejo-prazer essencial: a liberdade. Assim, por liberdade entenderíamos o tesão do tesão pelo tesão.” (Freire, 1987, p.18)
Se as expressões libertárias são desejantes, quais as proximidades com o tesão? É possível a existência do desejo sem tesão? É possível a existência do tesão sem o desejo? Embora o tesão e o desejo se relacionem intimamente, não devem ser confundidos, se o desejo pode ser atribuído ao conjunto de fatores que levam ao ato de querer, desejar, de buscar… o tesão pode estar no sentido da realização do desejo, como o prazer no ato da realização/materialização do desejo.
“A sensualidade e o prazer passaram a ser a principal referência para indicar a qualidade, a intensidade, a beleza, a originalidade e a importância das coisas, (…) tesão não significa mais algo que tenha a ver apenas com excitação sexual ou genital” (Freire, 1987, p.20)
As relações de interação entre o desejo e o tesão, me parecem ser uma via de mão dupla, pois o tesão pode guiar o desejo, já que o ato que gera prazer tende a criar e desenvolver o desejo; e ainda assim, o desejo pode guiar o tesão, pois ao desejar, é sensualizada e intensificada a vontade, gerando intenso prazer ao realizar o desejo, ou seja, pode gerar tesão. Mas, para onde o desejo e o tesão podem nos guiar?
Os caminhos possíveis se dão rumo ao ato de poder se libertar, partindo de uma ação violenta de rompimento das armaduras fascistas que acobertam nossos corpos, limitam as possibilidades e sentidos, aprisionam a mente aos discursos castradores pela imposição de certo juízo de valor. Essas quebras se dão gradativamente por ações capilares, revoluções moleculares, micropolíticas, que vão de encontro a um aspecto revolucionário, gerador, libertário…
“O tesão, assim, tanto o de fundo inconsciente (individual e coletivo na pessoa) quanto o consciente, é a principal arma que dispomos para lutar contra todas as tentativas de nos imporem as dependências, as limitações e as culpas que impedem as mutações existenciais e culturais, que fazem do homem um ser revolucionário.” (Freire, 1987, p.33)
As armaduras que castram e limitam os corpos, que aprisionam, que embrutecem, que robotizam, que… são constituídas com a mesma rigidez e inflexibilidade dos pilares que mantém as estruturas do sistema capitalista, velados por um discurso de puritanismo religioso, assim a religiosidade tende a operar na manutenção dos controles de corpos para limitar/impedir as possibilidades de libertação das armaduras, onde qualquer manifestação que tende a percorrer outros caminhos é demonizada pelas instituições, portanto toda manifestação singular do desejo e do tesão, sendo micro, podem agir criando fissuras nessas armaduras, desacoplando-se e rompendo conexões estruturais de controle. Os espaços, as frestas, fissuras, rompimentos, quebras… são os principais caminhos de fuga e escape para a manifestação do desejo libertário, no qual geram um ciclo de intensificação e criação dos desejos, que quando guiados pelo tesão se expandem numa movimentância geradora de mais desejos, e assim por diante, como uma grande máquina de libertação.
Bibliografia
- Barchi, Rodrigo. Educações inversas e ecologias infernais: experiências para pensar as educações ambientais a partir dos contos de horror do Heavy Metal de King Diamond. Rev. Eletr. do Mestrado em Educação Ambiental. vol. 34, nº1, 2017 <https://doi.org/10.14295/remea.v34i1.6786>
- Blake, William. O matrimônio do céu e do inferno. Ed. Madras, São Paulo. 2004. 64p.
- Corazza, Sandra Mara. Por uma pedagogia do inferno na educação: Nietzsche, Deleuze e outros malditos afins. Belo Horizonte: Autêntica, 2002
- Crowley, Aleister. O livro da lei. 1999 Disponivel em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000011.pdf>
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- Deleuze, Gilles. O abecedário de Gilles Deleuze. Transcrição de entrevista. 73p. 1988?. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/0B347KgD-3KhNcGdBemhqS3N0b1U/view?resourcekey=0-MgJ6Y1BbtQuU88mqJyQ30A> Acesso em 13/07/2024
- O Caibalion: Estudo da filosofia hermética do antigo Egito e da Grécia. Tradução de: Rosabis Camaysar. Editora Pensamento. Disponivel em: <https://www.epedagogia.com.br/materialbibliotecaonine/630O-Caibalion.pdf>
- Freire, Roberto. Sem tesão não há solução. Ed. Guanabara, Rio de Janeiro. 1987. 193p.
- Guattari, Félix e Rolnik, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Ed. Vozes, Petrópolis. 1986. 328p.
- Heyss, Johan. Aleister Crowley: A biografia de um mago. 1ºed. Madras, São Paulo, 2010. 232p.
- Jor, Jorge Ben. Errare huanum est. Album: A tábua de esmeralda, Phillips Records, 1974.
- Seixas, Raul. A lei. Album: A pedra do genesis. Gravadora Copacabana, Rio de Janeiro, 1988
- Seixas, Raul. Sociedade Alternativa. Album: Gita, Phillips Records, 1974.
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